Crítica política
As deliberações recentes da Coordenação Nacional da TM – CN-TM indicam a necessidade de uma reflexão da nossa militância sobre o significado da organização e o funcionamento das instâncias. O afastamento sumário do camarada Temístocles (TM-MG) e a intervenção na Coordenação Estadual da TM no Ceará, por exemplo, não são meras arbitrariedades ditatoriais isoladas. A não divulgação interna dos episódios e das razões que as motivaram, demonstram pouca preocupação com o debate essencial sobre o projeto político que aponta o sentido da construção da corrente.
Isso ocorre – e não há porque não dizê-lo – porque foram postas em movimento forças que tentam moldar a Tendência à real politik. O “realismo” na política, porém, nada mais é do que a expressão do fenômeno de uma direitização indisfarçável. Esta direitização, que tenta hegemonizar a CN-TM, não está apenas na opção pelo pragmatismo eleitoral. Não se limita à adoção do economicismo de resultados ou ao completo abandono das lutas sociais. Não reside somente no fascínio pelo poder institucional a qualquer custo. Não se evidencia unicamente na relativização de critérios éticos e políticos, conforme a utilidade. Não se restringe à aposta no inchaço despolitizado das bases locais. Muito menos na avidez por cargos nas estruturas das direções partidárias para chancela dessas práticas. A direitização precisa se justificar num conteúdo político.
O fenômeno, no entanto, decorre de um processo de maturação, no qual tenta forjar as condições necessárias para o seu predomínio. O direitismo vai ganhando corpo internamente: uma jogada aqui, cooptação ali, arbitrariedades acolá. Até que chega a hora em que se sente seguro para se expressar com toda sua força sedutora, embalado no rótulo de um discurso politizado, repleto de citações clássicas. Mas acaba por trazer à luz as verdadeiras verdades que professa – e que propositalmente as mantinha escondidas – revelando-se em toda sua degeneração política.
A mais recente incursão do economicismo direitista nos marcos da Tendência está contida nas teses divulgadas para a X Conferência Nacional da TM. Nelas, saltam aos olhos o abismo teórico em que boa parte da direção da TM se encontra mergulhada nos últimos tempos. Excetuando-se passagens pontuais, no geral expressam-se em textos vazios, adjetivados, metafísicos e desarticulados entre si. Como sempre, anunciam que é preciso haver um momento para fazer um balanço com profundidade adequada (momento este que nunca chega). Enfim, sequer é aproveitado o ensaio de análise para apontar alguma perspectiva, restando presa às mesmas constatações ensimesmadas.
No geral, as curtas formulações apressadas e superficiais (talvez para responder às cobranças dos atrasos na publicação), ignoram a perspectiva da mobilização organizativa da classe trabalhadora. Na contramão de uma boa teoria marxista, não se preocupam em formular teses para a ação política concreta, se constituindo sim, num balanço subserviente ao governismo lulista. A ação popular, quando mencionada, é deixada à solta: assim, quase como expressão de uma pura casualidade. Quais são as políticas da TM para os movimentos estudantil, sindical, popular, etc? Silêncio.
Não há, tampouco, referência à atualidade do marxismo e de sua análise estrutural para o embate na guerra de classes em curso. Inexiste menção ao universo de “excluídos(as)” resultantes da reestruturação produtiva do capital e das formas de subjetivação e controle social impostas de forma tutelar sobre a sociedade, e que conforma uma ameaça potencial à estabilidade da ordem burguesa. As teses não cumprem o papel de armar criticamente a vanguarda do proletariado, nem focam no diálogo como referência conscientizadora e organizadora dos(as) explorados(as), oprimidos(as) e perseguidos(as) pelo sistema. Em sua maior parte, elas se voltam para dentro, e não para fora.
As teses, apresentadas em nome da CN-TM, quando não resvalam abertamente numa espécie de eleitoralismo chapa-branca, se prendem a um amontoado de aspectos fragmentados, pinçados da conjuntura, numa abordagem exclusivamente institucional que, parodoxalmente, afirmam combater. Não que a TM não deva formular para as agendas dos governos, só não deveria girar sua ordem de prioridades e sua razão de ser para a institucionalidade, relegando a luta social ao segundo plano.
Quando o assunto é o PT, as teses aplicam a exaustiva fórmula do “debate inconcluso”. Não há, infelizmente, uma contribuição decisiva para avançar em tal debate. Só tergiversam enumerando alguns “desafios”. Como sempre acontece ao longo dos textos, as análises oscilam entre o derrotismo e a proclamação de frases feitas. A crítica ao fisiologismo político é externa. Dos outros.
Não se critica a burocratização e o arremedo de democracia interna no PT. Nem a submissão às dinâmicas dos arrebanhamentos nas eleições internas do PT – os chamados PEDs, experimentos fracassados da democracia operária. Talvez não seja interessante fazê-lo, por quem se beneficia da tática da rendição à lógica criticada com a desculpa de enfrentá-la.
No PED, tido numa grandiloqüente centralidade estratégica (como é próprio da falta de objetivos, ou melhor, do objetivo da disputa como um fim em sim mesmo), cita o impedimento à crítica pública a Lula como uma verdade definitiva e inquestionável, para evitar “municiar adversários”. É o partido rendido. Priorizar agenda institucional-eleitoral e não apontar perspectiva da ação no meio popular é sintomático do descolamento de atuais dirigentes da TM e da falta de vínculo com a base.
Ao constatar a redução do papel estratégico do PT como instrumento classista, perde-se a chance de abordar a fundo a resignificação da subversão da ordem e as contradições na institucionalidade diante dos conflitos sociais e da crise estrutural mundial. A mudança de avaliação sobre o caráter do PT como informada, serve, na prática, ao abondono da disputa por seus rumos à esquerda. Embora anuncie o inverso, não se apresentam os meios para executar a disputa. A análise só enxerga a crítica às alianças com o PSDB. E o restante da direita? Foi absolvido pela “governabilidade”.
Mas o governo Lula poderia deixar de ser refém da política em que se enredou. A oposição de PSDB e DEM sabe que não teria a menor chance de aprovar um golpe a essa altura, mas continua jogando para platéia. Só uma certa esquerda medíocre e serviçal ao governo Lula finge não perceber que não há clima para isso. Quer empanar a força da ampla aceitação popular do governo, para se valorizar como interlocutor da crise. Mas essa esquerda pragmática que se acha na moda por se apressar em aliviar um corrupto, oligarca, déspota e dissimulado como Sarney, pode acordar na contramão, esmagada pela roda inexorável da História, que não precisa pedir permissão para passar.
Não adianta usar novamente o medo para tentar vencer a esperança. A verdadeira governabilidade de Lula não está no PMDB nem no parlamento – tem que se assentar nas multidões, nas ruas. É tarefa da vanguarda propor a vigorosa marcha democrática de milhões de pessoas que são gratas aos programas de distribuição de renda, ao direito de estudar e fazer um curso superior, às oportunidades de iniciar negócios e créditos para cultivar e comprar sua casa. Essa massa de povo é a verdadeira força que se conclama para emparedar a direita e os barões da mídia e fazer o limitado governo Lula avançar ainda mais num programa de reformas radicais.
O papel histórico do PT é capitanear o avanço da luta de massas no Brasil e no mundo. É fazer a militância sair da letargia e encetar o grandioso movimento contra a corrupção e os corruptos e em apoio ao presidente Lula. Isso fará o governo sair da situação vexatória de tentar salvar o Sarney, bem como o resto carcomido do Senado. Mas os seguidores atarantados de Lula apostam no modelito do populismo “salvador da pátria”, então não vêm alternativa mesmo, a não ser a defesa envergonhada de Sarney. Mas como ele é indefensável, jogam areia no ventilador de todo mundo, chegando até ao cúmulo de criticar os próprios parlamentares petistas que cumprem o papel altivo de defensores da Ética republicana.
Por fim, voltando às teses, parece que houve a intenção de se entrar no debate acerca dos modelos de desenvolvimento, o que está posto na agenda política dos governos e das nações. Ou mesmo para atender um objetivo mais prático: dominar parte do debate em torno da candidatura do PT em 2010, num cenário de embate dos movimentos sociais e das comunidades extrativistas contra as pressões dos mega empreendimentos e do agronegócio. No entanto, nova decepção: deram-se ao luxo de elaborar uma insustentável base teórica para justificar sua adesão ao “desenvolvimentismo”, isto é, ao crescimento econômico pró-capitalista selvagem. Impressionante é que desejem fazer isso pelo viés “ecológico”, provando o gosto pelo rococó. Ignoram, tais “socialistas” que as contradições das relações humanas e com a natureza são mais amplas do que o maniqueísmo classista. Dedicaram tanto esforço a esta tarefa que soa falso. Deve ser pura provocação.
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