Contraponto: A guerra de classes prossegue no Nordeste
Apesar do panorama de crise econômica internacional – e não se trata apenas de mais uma crise conjuntural e sim do afloramento da insustentabilidade estrutural do capitalismo – o Brasil tem atraído atenção por seu vigor como força emergente. No quadro ascendente econômico nacional, o Nordeste tem ocupado posição destacada pelo aporte de investimentos produtivos e recursos incomparáveis na história na região. Aparentemente, a estagnação social e econômica é tão marcante que, mesmo sem um programa consistente de desenvolvimento regional integrado, ou seja, mesmo com iniciativas aleatórias, pontuais e desarticuladas, resulta em uma resposta imediata a curto prazo, embora não necessariamente sustentável.
Raízes históricas da dominação e resitência popular
O Nordeste, terra inóspita de secas e índios bravios vai sendo dominado pelo branco europeu a partir do desmatamento para extração direta de madeira e depois pelo cultivo da cana-de-açúcar na Zona da Mata. De centro econômico inicial, vai se conformando decadente e subordinado ao Sudeste. Índios indomáveis, negros fugidos em quilombos, mestiços soldados de guerras e rebeliões, beatos em cidades utópicas, cangaceiros, heróis ou bandidos vão lavando a sangue a história das muitas decadências e abandonos do por vir. Retirantes do regresso esperançoso e impossível formam a mão-de-obra barata que edifica o progresso das metrópoles e o lucro patronal.
Em meio ao limbo nordestino da estagnação, do latifúndio, da indústria da seca, da troca de favores, da privatização do público, da corrupção, do tráfico de influência, do apadrinhamento, do mandonismo e da pistolagem, enfim, do coronelismo, o fim da ditadura militar e a imposição hegemônica capitalista trouxe a ascenção gradual de núcleos empresariais urbanos, que inauguram a fase gerencial do governo como uma empresa.
Se por um lado a visão do Estado lucrativo trouxe a modernização do discurso e das práticas gerenciais, vieram no pacote suas conseqüências truculentas para a classe trabalhadora. A revolução política (e não revolução social) levou para guilhotina da truculência os servidores públicos, as empresas prestadoras de serviços públicos, agora privatizadas em nome do sucesso concorrencial.
Ao mesmo tempo nos Estados, o ciclo “renovador” sempre soube aliar as ações de seus governos aos interesses dos negócios privados da trupe empresarial, sem deixar, ao mesmo tempo, de distribuir cassetetes em grevistas e migalhas ao povo pobre para manter seu predomínio eleitoral. Assim em Pernambuco, na Paraíba, no Rio Grande do Norte, no Ceará, em Alagoas, etc. as amigas empreiteiras sempre estiveram a frente das obras, dos esquemas de desvios e corrupções e do apoio eleitoral, numa reedição “modernizada” do toma-lá-da-cá patrimonialista.
Logo os donos de terras se afinaram com a nova hegemonia. Agora sob os modelos agrário-exportador e turístico empresarial, disseminaram-se empreendimentos altamente impactantes para o meio ambiente e para as comunidades locais. A imagem do Nordeste, vendida por toda parte como local paradisíaco, vai tendo sua paisagem profundamente adulterada por conta de investimentos predatórios e especulativos. A carcinicultura (criação de camarões em viveiros), por exemplo, é uma das atividades mais destrutivas e que gera repercussões sociais mais graves: ocupa os manguezais destruindo os habitats de espécies naturais e inviabilizando o trabalho de catadores(as), polui as águas com substâncias tóxicas, entre elas o letal metabisulfito de sódio, ampliando o problema da escassez, isola comunidades inteiras impedindo o livro acesso à faixa de praia, enfim, é um estorvo que conta com a conivência e até financiamentos públicos dos governos.
Renovar de fato a cultura política pela Esquerda
A chegada do PT e da esquerda aos governos de coalizão no Nordeste, mesmo que represente avanços na pauta social, não significou uma ruptura com este modelo. O feito eleitoral foi comemorado num primeiro momento como derrotas das neoligarquias tucanas e aliadas. Nota-se, no entanto, o compromisso dos núcleos centrais dos governos com a preservação intocável dos negócios. Há que se reconhecer, no entanto que a participação da esquerda nos governos tem puxado uma pauta social mais avançada. Entretanto, na esfera econômica os governos demonstram sua face conservadora e concentradora.
O funcionalismo público estadual tem encontrado um maior espaço para negociações de suas reivindicações, embora permaneçam impasses, como na questão da implantação do piso salarial nacional dos professores, o que levou a categoria a enfrentamentos judiciais e greves.
Os impasses também estão na base aliada nas Assembléias Legislativas e nos espaços eleitorais nos Estados. As alianças eleitorais com setores oligárquicos locais, o domínio de legendas de aluguel para abarcar “neo-aliados”, indicam a face oportunista de projetos de poder limitados às circunstâncias da auto-reprodução indefinida.
Compreender os limites das possibilidades de avanço da política atual é importante para a reflexão sobre o papel que o PT deve desempenhar como parceiro crítico de projetos que revelam seus limites históricos. Não interessa ao PT cumprir um papel subordinado a projetos de poder que não correspondem à seu propósito socialista. As alianças e a responsabilidade histórica do Partido com os aliados não deve transgredir seus princípios e deve estar sintonizado com o tensionamento necessário para o avanço das conquistas do mundo do trabalho.